O acolhimento institucional é uma medida de exceção e de curta duração, como previsto no ECA (art. 101, §§1º e 2º) e reafirmado nas Orientações Técnicas: Serviços de Acolhimento para Crianças e Adolescentes. Seu papel não é substituir a rede, mas funcionar em articulação com ela, garantindo proteção integral, vínculo afetivo, escuta qualificada e reconstrução de histórias.
No entanto, isso só é possível se houver rede. Rede de verdade.
O que temos visto, muitas vezes, é uma teia. Uma estrutura frágil, que prende, enrosca e paralisa.
Quando CAPS, CREAS, UBS e escola não compreendem suas atribuições, o serviço de acolhimento é deixado à margem. As crianças e adolescentes que já enfrentaram rupturas, negligências e perdas profundas seguem invisibilizados. E, com eles, nós — profissionais da assistência, da psicologia, da pedagogia e do cuidado cotidiano — também nos tornamos invisíveis.
É como se estivéssemos todos escondidos por trás dos muros do acolhimento, mesmo quando cumprimos com excelência o nosso papel. Trabalhamos com um público invisível. E, por isso, também somos invisibilizados. Pela rede, pelas políticas, pelos outros profissionais. Nos tornamos o último elo a ser lembrado, e o primeiro a ser responsabilizado quando algo dá errado.
Mas a legislação é clara. O Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária reconhece o Estado como corresponsável pela proteção integral, exigindo articulação intersetorial, apoio técnico às famílias e ações que garantam a reconstrução de vínculos.
Rede é compromisso coletivo. Teia é abandono institucional.
Para que a rede funcione como tal, é necessário:
Que o CAPS realize matriciamento e acompanhe os casos com sofrimento psíquico;
Que a escola acolha sem estigmatizar, compreendendo o impacto do acolhimento na aprendizagem;
Que o CREAS atue efetivamente no acompanhamento familiar previsto no PIA;
Que a UBS atenda com prontuário unificado e continuidade de cuidado;
Que o Judiciário participe das audiências concentradas de forma escutante e propositiva;
Que o serviço de acolhimento seja visto como parte central da proteção — e não como um lugar para onde se envia, mas com quem se constrói.
Enquanto as crianças e adolescentes em acolhimento forem tratadas como invisíveis, seus cuidadores também o serão.
E assim seguimos: cuidando, lutando, denunciando. Não por vaidade, mas por ética e compromisso com a infância e a adolescência.
É tempo de transformar a teia em rede. Com vínculos fortes, responsabilidades compartilhadas e reconhecimento real de quem cuida todos os dias, mesmo quando ninguém vê.
Kelly Caraça
Psicóloga | Especialista em Garantia de Direitos e Políticas de Cuidado da Criança e do Adolescente
Supervisora e Formadora em Acolhimento Institucional e Processos de Adoção
"Cuidar de quem é invisível exige coragem, mas tornar visível quem cuida é um dever coletivo"
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